quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
Adeus à Caixa Econômica
Para entender o crime que se está cometendo contra a mais antiga instituição financeira do país, é preciso dar um passeio pela contabilidade e pelas finanças. Antes de começar, é importante lembrar que todos os envolvidos, especialmente o ministro da fazenda Henrique Meireles, têm total consciência. É que ele chegou à presidência mundial de um banco americano, donde se conclui que tudo o que se dirá aqui é de seu pleno domínio.
Um banco não passa de uma loja de dinheiro. Ele compra dinheiro dos depositantes e vende para quem precisa de caixa ou para quem tem disponibilidade mas não quer usá-la em seus negócios. Se a loja compra a prazo, que nos bancos são as aplicações, e vende à vista, poderá fazer muitas vendas e muitas compras antes que a primeira delas tenha vencido. Se, ao contrário, a loja comprar à vista, que sãos os depósitos em conta corrente no caso dos bancos, e vender a prazo, precisará ter muito capital próprio para poder financiar a operação. É por isso que os bancos aumentam a taxa de juros pagas aos aplicadores em função do valor aplicado e do prazo de aplicação. É que eles querem ter o maior estoque possível para poder girar antes de ter que pagar pela mercadoria que, no caso dos bancos, é o dinheiro.
A Caixa era a mais privilegiada das lojas, mesmo sendo proibida de vender dinheiro para seu dono, que é o governo. Quando vende, considera-se como uma pedalada fiscal e é crime. Ela era privilegiada porque é depositária os recursos do FGTS e dos referentes ao FAT (Fundo de Amparo ao trabalhador), que é formado pelo PIS-Cofins e outras arrecadações cujo resgate era bastante restrito. Mesmo que o BNDES usasse esses recursos para financiar investimento, só o fato de o dinheiro passar pela Caixa já dá uma fortuna em juros porque aumenta a disponibilidade de caixa. O FGTS era um man´´a porque custava muito pouco e ficava lá por um prazo médio que excedia os dez anos.
O uso político da Caixa pelo governo passado já prejudicou esse casamento entre recebimentos e pagamentos, o que se agravou com a crise porque era de lá que saiam os recursos para o pagamento do salário-desemprego e para o resgate do fundo. Ora, em vez de o governo atual deixar o máximo de recursos depositados na Caixa, fez justamente o oposto, provocou uma corrida de resgates de FGTS (R$ 40 bilhões) e PIS (R$15 bilhões) para fomentar consumo. Se aplicarmos a ideia da loja de dinheiro, o governo antecipou o pagamento da mercadoria e ficou com um estoque menor para vender. Qualquer pipoqueiro ou vendedor de cachorro quentes, assim como qualquer microempresário, mandaria interditar um administrador que tomasse uma atitude dessas.
Mas ainda outro agravante, o Brasil é signatário do Acordo de Basileia em que se criam regulamentos para que os bancos não abusem do crédito comprando mais dinheiro do que conseguem vender com segurança como aconteceu nos Estados Unidos na década passada. Os bancos recebem uma nota de acordo com seus balanços e, quando essa nota fica muito baixa, os acionistas precisam pôr mais recursos, até que ela atinja o mínimo aceitável, repondo a em condições de operar com segurança. Não analisei o balanço da Caixa mas, certamente, sua nota caiu muito com a sangria promovida pela equipe econômica atual. Eu tinha Meireles em altíssima conta quando era presidente do Banco Central e fiquei com seriíssimas dúvidas a seu respeito enquanto ministro da fazenda. É que um bom goleiro não costuma ser um bom atacante. Como presidente do Banco Central, ele soube defender a moeda mas o ministro tem que chutar em gol sem comprometer o restante do time, especialmente, a defesa.
terça-feira, 21 de novembro de 2017
Quem matou as meninas?
Algumas semanas atrás duas
meninas de três anos foram encontradas estupradas e mortas no baú de um furgão
roubado e camuflado no fundo da favela em que as garotas viviam. Três homens
foram presos. Pode ser que tenham sido eles a cometer o ato físico mas, ao meu
ver, quem matou essas meninas foi a somado descaso dos governantes e da inépcia
de alguns intelectuais que “glamourizaram” as favelas, até as transformando em
destino turístico. Desde os anos 1980, existe uma corrente, equivocadamente
baseada em Bertrand Russel, das ciências sociais que procura derrubar a
“ditadura da maioria”, ou seja, dar às minorias a visibilidade que até então
lhes foi negada. O equívoco refere-se à defesa dessas minorias como sendo
sempre perenes, o que pode não ser verdade. Há grupos étnicos e de pessoas com
deficiência em que de fato são permanentes. Quando se fala na miséria, quanto
mais passageiros forem os grupos, melhor para a sociedade como um todo.
Ao rebatizar
as favelas como comunidades, esses intelectuais atribuíram-lhes características
culturais indeléveis e a serem preservadas, perenizando uma excrescência social
quase coo uma estirpe a ser preservada a qualquer custo. Daí surgirem canções
dizendo que “Eu só quero ser feliz, andar tranquilamente na favela onde nasci”,
como se almejar sair da favela fosse algo a ser desprezado, até uma traição.
Não se fala sequer em urbanizar consistente e planejadamente as favelas mas
instalam-se aparatos paliativos como teleféricos que só fazem sedimentar ainda
mais o caos urbanístico, além de fixar ainda mais as raízes dos moradores.
Caos
urbanístico provocado pela ausência do Estado traz o poder paralelo, antes
representado pelo jogo do bicho, hoje dominado pelo tráfico de drogas. Parece
incrível que, com semelhante desorganização, com tão estrondosa defasagem no
aparelho público, ainda se fale em transformar a favela em comunidade
simplesmente pela troca de nome, como se chamar o Rio tietê de esgoto a céu
aberto acabasse com sua poluição. Entendo que levar moradores para o outro lado
da cidade à força seja uma violência mas não acredito que urbanizar as favelas
dando-lhes uma ordem socialmente aceitável seja um exercício impossível. Sem
isso não há como impor a presença do Estado e resgatar essa população que está
totalmente desprovida de oportunidades. Muito provavelmente, se não fossem
faveladas, se não estivessem andando a esmo pela imundice do ambiente em que
nasceram, talvez geradas, se estivessem em uma creche, provavelmente elas
estivessem vivas agora. Que desperdício! O Brasil age como se manter um
contingente apreciável à margem do desenvolvimento fosse justo porque, aos
olhos de nossa classe média, ainda há coisas para ricos e restolhos para
pobres.
terça-feira, 4 de julho de 2017
Mensuração de desempenho em organizações governamentais 1)Teoria Geral do Estado Trata-se de uma matéria abandonada pelos cursos de ciências sociais aplicadas, talvez porque tenha sido obrigatória durante a ditadura militar. É, no entanto, imprescindível para situar o governo e seu papel para que, a partir de então, possa-se tentar medir o desempenho de suas organizações. O enfoque aqui será o positivista mas não eurístico. Nota-se que os estudos mais recentes fixam-se em sociedade e estado mas esquecem-se de que há ainda dois conceitos imprescindíveis, o de povo e o de nação. Nação é um conjunto de pessoas que congregam laços culturais e históricos independentemente de ocupar um determinado território coo acontece com as nações indígenas que, mesmo compartilhando território com outras, muitas vezes antagônicas, não perdem seu modo de viver, de pensar e de falar, mantendo, portanto, uma identidade cultural que pode ou não ser étnica. Povo é o conjunto formado por uma ou mais nações que se sujeita a uma autoridade que se chama governo, enquanto o Estado refere-se ao povo politicamente organizado que, considerando-se o território soberano, constitui um país. A sociedade civil, por sua vez corresponde ao espaço em que o poder de fato é exercido, ao passo que é no Estado que se exerce o poder emanado das leis. O governo, portanto é a organização que exerce o poder coercitivo do Estado. Para efeito deste trabalho, a sociedade será dividida entre governantes e governados, sendo que os primeiros representam o estado. Sob a ótica institucional, que será aprofundada adiante, o principal é o povo (governados) e os agentes são os governantes. Ambos, principal e agentes estão sempre em conflito que são inerentes à natureza da assunção ao poder no que se convencionou chamar de regime. Também, para efeito deste trabalho, parte-se do princípio de que as instituições sejam democráticas. Para a comparação do conflito de agência entre o setor público e o privado, é preciso ter em mente que, enquanto o privado pode fazer tudo o que não for proibido (leis restritivas) e tudo o que for obrigado (leis afirmativas), o setor público só pode fazer o que está na lei. 2)Desempenho Talvez não haja conceito mais difuso e mesmo subjetivo que o de desempenho. A coisa começou a tomar uma forma capaz de ensejar uma discussão minimamente racional a partir da premissa puramente schumpeteriana de que a empresa visa sobreviver. Até então, predominava o conceito de que a empresa visa lucro. Depois de Schumpeter, ficou claro que quem visa lucro são os investidores a empresa, como organismo vivo, visa sobreviver e prosperar. A coisa ficou ainda mais clara depois que Coase contestou a premissa de que o comportamento da firma fosse mais racional do que do indivíduo. É que cada indivíduo que a compõe visa maximizar a utilidade de seu relacionamento com a organização, interesses esses que geram conflitos muitas vezes intransponíveis. A partir dos anos 1950, essa linha de pesquisa recebeu o nome de Economia Institucional e o reconheceu-se que os conflitos envolvem muitos outros agentes que não são investidores e empregados, porém, toda a cadeia de suprimentos à montante e toda a cadeia de distribuição à jusante. Mais tarde, incluiu-se o estado e este conjunto recebeu o nome de “stakeholders”. Todos têm apenas um ponto em comum na forma com que veem a empresa: a sobrevivência dela. O empregado quer maximizar salários mas não pretende espoliar o empregador para não pôr o emprego em risco. O acionista visa otimizar simultaneamente o valor cotado a mercado e o retorno sob a forma de dividendos. O executivo visa otimizar a participação de mercado porque é isso que lhe vai dar visibilidade no mercado e garantir-lhe que o próximo emprego dê-lhe mais poder que o anterior perante a sociedade. O fornecedor pretende vender a preços capazes de lhe satisfazer os desejos, porém, sem levar o cliente à falência. O comprador pretende maximizar o valor percebido, garantindo a continuidade do fornecimento. Finalmente, o estado pretende maximizar a arrecadação sem pôr em risco a atividade econômica. A questão é que cada um entre os stakeholders tem uma ideia distinta de desempenho. Um fornecedor pode medir o desempenho de seus clientes pela curva ABC baseada na margem percebida aliada ao índice de liquidez para minimizar a probabilidade de não receber. O cliente corporativo, por sua vez, pode usar a curva ABC para classificar seus fornecedores tomando o valor adicionado como base, aliando-o ao retorno sobre o patrimônio líquido para minimizar o risco de ver o fornecimento interrompido. Há ainda quem pretenda medir o desempenho da empresa a partir de sua atuação perante a sociedade. Isso resultou no balanço social como forma de demonstrar os serviços prestados e a colaboração com o desenvolvimento do bem estar social. Resumindo, o conceito de desempenho varia consoante o público interessado. 2)Aplicaçao da Teoria da Agência no setor público. Graças ao poder coercitivo do Estado, os clientes, que são, ao mesmo tempo, os principais, não têm opção acerca do preço a pagar pelos serviços públicos porque ele corresponde aos tributos pagos. Resta saber se o valor criado corresponde às expectativas do cidadão e essa é, em resumo, a medida primeira da eficiência das organizações governamentais. Essa expectativa de valor varia ao longo da sociedade porque as instituições privadas conseguem otimizá-lo via planejamento tributário e uma escala significativamente maior que as pessoas físicas, especialmente, os assalariados cujos impostos ou são descontados de seus rendimentos, ou estão embutidos no preço do que pelo que pagam. Os agentes, por sua vez, não formam um grupo homogêneo e com interesses comuns. Dividem-se, grosso modo, em dois grupos, os transitórios, representados pelos políticos (eleitos e comissionados), e os permanentes, representados pelos servidores concursados. O segundo grupo também não é homogêneo porque o poder discricionário não se distribui de forma contínua, sequer equitativa, entre eles. Os agentes transitórios visam a permanência no poder e usufruir de tudo o que ele acarreta indiretamente. Os concursados, por sua vez, visam otimizar seus rendimentos diretos e benefícios indiretos como a estabilidade. Assim como ocorre na aplicação da teoria da agência no setor privado, o setor público sofre da assimetria das informações, porém, não da mesma forma. É que, no setor privado, os agentes detém as informações e os principais dependem delas numa relação unívoca. No setor público, no entanto, a assimetria de informações dá-se numa relação biunívoca, haja vista que, para cobrar impostos, o governo depende de informações fornecidas pelos principais. Dessa forma, a relação de mercê que se detecta no setor privado não se repete. 3)Mitigação da assimetria de informações Sob o enfoque do estado, dado seu poder coercitivo, as informações são apresentadas, pelo lado físico, via livros e mecanismos informatizados como o SPED Fiscal e o Sintegra , que rastreia as transações comerciais desde a matéria-prima até o produto final; o SPED Contábil, que padroniza o plano de contas e cria métodos de comparar empresas via B. I. Siscomex e Recof , entre outros. Pelo lado financeiro, através do registro de todas as transações e contratos de aplicação e empréstimos no Banco Central. Isso recebeu o nome de Governo eletrônico e tem sido desenvolvido à margem da política pelos agentes concursados, como segmentado na seção anterior. No outro sentido, a CF88 deu início ao processo de imputabilidade . Entre seus artigos 70 e 75, o que desembocou em duas vertentes, a CGU (Controladoria Geral da União) e o portal da transparência, este último atendendo o preceito do “abeas data”, que obriga o Estado a fornecer dados, sempre que solicitados pelo cidadão, dentro da lei. Estes preceitos, embora adotados com certa rapidez em âmbito federal, não têm a mesma celeridade nas esferas inferiores (estadual e municipal), mesmo que estes contem com mecanismos de fiscalização entre os poderes como se atribui aos tribunais de contas. 4)Medição do desempenho das organizações públicas Muitos autores acreditam que a sonegação, pelo lado do principal; e a corrupção, pelo lado do agente, sejam o resultado da diferença entre o valor criado pela organização e almejado pelos stakeholders. Se o estado não presta serviços pelo montante da arrecadação, a sociedade tende à sonegação como forma de ajuste. Por outro lado, se o Estado não remunera seus stakeholders condignamente, eles tendem a corromper-se. Assim, em termos generalistas, a percentagem correspondente à sonegação traduziria a diferença entre o valor criado e o custo do Estado. Ao mesmo tempo, o grau de corrupção traduziria o comportamento do governo perante seus colaboradores, daí ouvir-se a máxima simplória, até ingênua, de que “aumentando o salário dos servidores, reduz-se a corrupção”. Se ambos falham é porque os mecanismos de controle não são eficazes, seja pelo lado da cobrança dos impostos, seja pelo lado da venda de benefícios pelos agentes. Mas os agentes permanentes dedicam-se à melhoria dos mecanismos de controle, daí desenvolverem um governo eletrônico internacionalmente admirado. Isso é resultado do fato de que mesmo as oportunidades de o agente corromper-se não serem simétricas, havendo os que estão e os que não estão expostos a elas. Lembrando que o principal é também o cliente e que a relação de clientela varia consoante a renda do cidadão, existe uma assimetria no que tange a percepção de valor criado pelo Estado. Enquanto os mais pobres o entendem sob a forma de escolas públicas, atendimento em postos de saúde e transporte público, os mais abastados estão preocupados com a superlotação dos aeroportos, a qualidade das vias expressas e a segurança patrimonial. É justamente nesse ponto que cabe a adoção de mecanismos de medição de desempenho adaptados da iniciativa privada como, por exemplo, o balance Score Card. Trata-se de adaptação porque as dimensões originais não fazem sentido nas organizações públicas. A dimensão financeira, por exemplo, precisa ser substituída pela orçamentária por dois motivos. O primeiro diz respeito às LDO que existem nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal). Em segundo lugar porque as organizações públicas estão sujeitas ao orçamento base zero Isso significa que os administradores públicos são obrigados a consumir os recursos dentro do cronograma, caso contrário, não pode contar com eles nos períodos posteriores, mesmo que sob a mesma rubrica ou item orçamentário. A dimensão de custos é substituída pela dimensão de gastos porque as compras e demais dispêndios estão sujeitas à lei 8666/1990 que regula as licitações públicas, o que dificulta, quando não impossibilita a adoção de medidas para redução de custos. A dimensão de satisfação do cliente fica restrita às duas anteriores, podendo-se criar índices específicos como tempo de espera ou mesmo cumprimento de prazos. A dimensão de aprendizagem também recebe outra conotação, visto que os participantes com menor poder discricionário são os agentes permanentes, enquanto os que decidem são agentes temporários, seja pela eleição, seja pelo comissionamento. Ademais, a estrutura também se altera consoante a tomada de posse. A partir da reforma do Estado empreendida por bill Clynton nos anos 1990, quando se criaram as agência reguladoras, a intenção de mitigar a influência política nas atividades permanentes da administração pública. É que, nomeado o presidente de uma agência, nem mesmo o presidente da república o pode destituir do cargo. Isso reforça a dicotomia entre o governo transitório e o permanente, empoderando o segundo em detrimento do primeiro. Isso, porém, não resolve o poder de monopólio institucional que o estado exerce sobre o cidadão mas poderia torná-lo controlável se houvesse mecanismos que dessem ao povo meios de medir a relação entre o pelo que pagam sob a forma de impostos e o que recebem em forma de serviços públicos. Os mecanismos teoricamente democráticos não suprem essa necessidade porque os tribunais de contas limitam-se a aprovar ou reprovar contas numa auditoria puramente orçamentária, sem, no entanto, avançar sobre a qualidade dos serviços prestados. Isso só pode dar através do “feed back” do cliente que, repetido, é também o principal numa relação de viés institucional, reforçando o uso de artefatos como o Balance Score Card.
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