Algumas semanas atrás duas
meninas de três anos foram encontradas estupradas e mortas no baú de um furgão
roubado e camuflado no fundo da favela em que as garotas viviam. Três homens
foram presos. Pode ser que tenham sido eles a cometer o ato físico mas, ao meu
ver, quem matou essas meninas foi a somado descaso dos governantes e da inépcia
de alguns intelectuais que “glamourizaram” as favelas, até as transformando em
destino turístico. Desde os anos 1980, existe uma corrente, equivocadamente
baseada em Bertrand Russel, das ciências sociais que procura derrubar a
“ditadura da maioria”, ou seja, dar às minorias a visibilidade que até então
lhes foi negada. O equívoco refere-se à defesa dessas minorias como sendo
sempre perenes, o que pode não ser verdade. Há grupos étnicos e de pessoas com
deficiência em que de fato são permanentes. Quando se fala na miséria, quanto
mais passageiros forem os grupos, melhor para a sociedade como um todo.
Ao rebatizar
as favelas como comunidades, esses intelectuais atribuíram-lhes características
culturais indeléveis e a serem preservadas, perenizando uma excrescência social
quase coo uma estirpe a ser preservada a qualquer custo. Daí surgirem canções
dizendo que “Eu só quero ser feliz, andar tranquilamente na favela onde nasci”,
como se almejar sair da favela fosse algo a ser desprezado, até uma traição.
Não se fala sequer em urbanizar consistente e planejadamente as favelas mas
instalam-se aparatos paliativos como teleféricos que só fazem sedimentar ainda
mais o caos urbanístico, além de fixar ainda mais as raízes dos moradores.
Caos
urbanístico provocado pela ausência do Estado traz o poder paralelo, antes
representado pelo jogo do bicho, hoje dominado pelo tráfico de drogas. Parece
incrível que, com semelhante desorganização, com tão estrondosa defasagem no
aparelho público, ainda se fale em transformar a favela em comunidade
simplesmente pela troca de nome, como se chamar o Rio tietê de esgoto a céu
aberto acabasse com sua poluição. Entendo que levar moradores para o outro lado
da cidade à força seja uma violência mas não acredito que urbanizar as favelas
dando-lhes uma ordem socialmente aceitável seja um exercício impossível. Sem
isso não há como impor a presença do Estado e resgatar essa população que está
totalmente desprovida de oportunidades. Muito provavelmente, se não fossem
faveladas, se não estivessem andando a esmo pela imundice do ambiente em que
nasceram, talvez geradas, se estivessem em uma creche, provavelmente elas
estivessem vivas agora. Que desperdício! O Brasil age como se manter um
contingente apreciável à margem do desenvolvimento fosse justo porque, aos
olhos de nossa classe média, ainda há coisas para ricos e restolhos para
pobres.
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