terça-feira, 21 de novembro de 2017

Quem matou as meninas?



Algumas semanas atrás duas meninas de três anos foram encontradas estupradas e mortas no baú de um furgão roubado e camuflado no fundo da favela em que as garotas viviam. Três homens foram presos. Pode ser que tenham sido eles a cometer o ato físico mas, ao meu ver, quem matou essas meninas foi a somado descaso dos governantes e da inépcia de alguns intelectuais que “glamourizaram” as favelas, até as transformando em destino turístico. Desde os anos 1980, existe uma corrente, equivocadamente baseada em Bertrand Russel, das ciências sociais que procura derrubar a “ditadura da maioria”, ou seja, dar às minorias a visibilidade que até então lhes foi negada. O equívoco refere-se à defesa dessas minorias como sendo sempre perenes, o que pode não ser verdade. Há grupos étnicos e de pessoas com deficiência em que de fato são permanentes. Quando se fala na miséria, quanto mais passageiros forem os grupos, melhor para a sociedade como um todo.
                Ao rebatizar as favelas como comunidades, esses intelectuais atribuíram-lhes características culturais indeléveis e a serem preservadas, perenizando uma excrescência social quase coo uma estirpe a ser preservada a qualquer custo. Daí surgirem canções dizendo que “Eu só quero ser feliz, andar tranquilamente na favela onde nasci”, como se almejar sair da favela fosse algo a ser desprezado, até uma traição. Não se fala sequer em urbanizar consistente e planejadamente as favelas mas instalam-se aparatos paliativos como teleféricos que só fazem sedimentar ainda mais o caos urbanístico, além de fixar ainda mais as raízes dos moradores.
                Caos urbanístico provocado pela ausência do Estado traz o poder paralelo, antes representado pelo jogo do bicho, hoje dominado pelo tráfico de drogas. Parece incrível que, com semelhante desorganização, com tão estrondosa defasagem no aparelho público, ainda se fale em transformar a favela em comunidade simplesmente pela troca de nome, como se chamar o Rio tietê de esgoto a céu aberto acabasse com sua poluição. Entendo que levar moradores para o outro lado da cidade à força seja uma violência mas não acredito que urbanizar as favelas dando-lhes uma ordem socialmente aceitável seja um exercício impossível. Sem isso não há como impor a presença do Estado e resgatar essa população que está totalmente desprovida de oportunidades. Muito provavelmente, se não fossem faveladas, se não estivessem andando a esmo pela imundice do ambiente em que nasceram, talvez geradas, se estivessem em uma creche, provavelmente elas estivessem vivas agora. Que desperdício! O Brasil age como se manter um contingente apreciável à margem do desenvolvimento fosse justo porque, aos olhos de nossa classe média, ainda há coisas para ricos e restolhos para pobres.