quarta-feira, 3 de janeiro de 2018
Como matar um velhinho
Vinte e dois anos agrás, quando eu ainda era rotariano, preparei um texto que se destinava a ser a palestra de uma reunião extraordinária. qual não terá sido minha surpresa quando, ao chegar ao recinto, fiquei sabendo que a responsável pelo programa, sem me avisar, trouxe outro convidado. Fiquei sinceramente ofendido, imprimi a pelestra e remeti como carta para todos os membros do club. Fui motivado pela reforma previdenciária de então, que, a exemplo dapresente, não era reforma, somente um ajuste de parâmetros. Para que não se possa dizer que não é um texto original daquele tempo, fiz questão de anexar a digitalização do documento impresso com equipamento de época. Aqui vai em meio acessível:
COMO MATAR UM VELHINHO
Luiz Alberto M. de Carvalho e Silva
(Economista e Consultor)
Zé é um trabalhador que, aos quarenta anos e com vinte de contribuição social, perdeu o emprego. Não consegue outro porque seu posto se extinguiu ou porque sua idade está acima da média dos brasileiros. Ele é casado e tem quatro filhos a sustentar. A necessidade o leva ao mercado informal de trabalho. Ele poderia continuar contribuindo como autônomo, mas o valor passa a ser muito maior que o de quando era empregado no mercado formal. Esse passa imediatamente a ser um item de baixíssima prioridade na lista das despesas domésticas. Zé não é um imprevidente. Ele sabe muito bem que não poderá trabalhar para sempre e que um dia dependerá de sua aposentadoria. No entanto, as despesas com alimentação, lazer e saúde de seus filhos consomem a totalidade de seus rendimentos e ele deixa de pagar o que deve à previdência social. Mês a mês a dívida vai aumentando e a probabilidade de que Zé volte ao mercado formal vai diminuindo, até que a velhice chegue e, aos olhos da sociedade, ele seja considerado como um biscateiro, restando-lhe a indigência como corolário de toda uma vida de trabalho.
Infelizmente, Zé é o mais comum dos exemplos. Segundo o Ministério da Previdência Social, nos últimos dois anos, o número de contribuintes caiu de aproximadamente 29.740.000 para 28.100.000 e a porcentagem de trabalhadores com carteira assinada caiu de 53% para 47% no mesmo período. Tudo leva a crer que vincular a arrecadação à massa de salários pagos na economia formal é incoerente porque ela só vem diminuindo sua participação no mercado real ano a ano. Nossos governantes, incluindo os do poder Legislativo, tomaram, na semana passada, a medida mais descabida possível, atrelando a aposentadoria ao tempo de contribuição. Essa ideia de contador que traz o lápis atrás da orelha baseia-se no pressuposto de que os ativos devam pagar pelos inativos, esquecendo-se de que a situação não teria chegado a tal ponto se o próprio Governo não tivesse usado os recursos da previdência para pagar obras públicas nos anos 70. Tal vinculação pode até evitar a falência do sistema no curto prazo mas criará um problema social de inauditas proporções daqui há uns vinte ou trinta anos porque a parcela de idosos que não terão direito à aposentadoria será mais quer significativa, obrigando o poder público a tomar medidas de emergência.
Além de tudo isso, a arrecadação sobre os salários é tecnicamente inviável pelo óbvio motivo de que, nas épocas de crise, quando a população mais precisa da previdência, a entrada de recursos é menor. Isso gera um inevitável déficit. Nos países do primeiro mundo, isso não é tão sentido porque o seguro desemprego mantém o mínimo de renda do trabalhador, fazendo com que a arrecadação não caia tanto e que a perspectiva de atraso na obtenção da aposentadoria inexista, mesmo porque, em muitos deles ela ocorre somente por idade.
A automação é necessária porque leva o ser humano a trabalhar com o que tem de melhor: o seu cérebro. Ela, porém, com o atual sistema de arrecadação, faz com que a parcela de responsabilidade social caia a medida que o nível de utilização de mão-de-obra seja menor no processo de produção. Quando se vive num país que privilegia a especulação isso se torna ainda mais cruel.
Não houve, portanto, qualquer reforma. O que ocorreu foi um reles e medíocre ajuste, sem qualquer sombra de originalidade. Isso é o de que mais precisamos agora. É urgente encontrarem-se meios de trazer essa maioria de trabalhadores de volta da informalidade e não é com encargos sociais baseados nos seus vencimentos que isso ocorrerá. Há os que defendem o combate à sonegação como solução. Penso que ela deva ser combatida porque todos têm que pagar o que devem. Penso também, que, se o método de arrecadação não for inteligente e a fiscalização excessivamente insistente, somente a corrupção tem a ganhar e a informalidade continuará crescente.
Não sei se o que vou sugerir é o melhor, mas é, sem dúvida, original. Que tal criar um imposto sobre cheques e débitos bancários com alíquota de meio por cento sobre o valor debitado, que substituiria todos os encargos incidentes sobre salários? O imposto em si não traz nada de novo. A inovação está em eliminarem-se os atuais encargos, fazendo com que os especuladores passem a contribuir, assim como todos os que hoje estão no mercado informal. Esse montante formaria um fundo administrado pelos sindicatos patronais e de trabalhadores, além do sistema financeiro privado. Dessa forma, o patrimônio ficaria a salvo da ganância do Governo que não teria condições de usar esses recursos para tapar seus rombos. Em outras palavras, seria viável levar ao sistema previdenciário a possibilidade de os excedentes serem aplicados, aumentando o bolo a distribuir entre os aposentados.
Meio por cento seria suficiente? Creio que sim porque, segundo os teóricos que implantaram esse imposto há dois anos, a economia seria capaz de girar um montante equivalente ao PIB todos os meses. Apesar dos percalços, arrecadaram-se mais de cinco e meio bilhões de dólares em apenas oito meses. O montante esperado sem grande rigor científico seria de aproximadamente dezessete bilhões de dólares, três bilhões a mais do que a arrecadação atual.
Muitas outras medidas precisariam ser tomadas, como a aposentadoria por idade e retirada de privilégios. Aliás, não seria possível manterem-se variações de vencimentos para os inativos porque a vinculação estaria automaticamente extinta.
Trata-se de uma sugestão, não uma panaceia. Peço apenas que nossos Legisladores pensem antes de agir e procurem soluções que não fique obsoletas daqui a uma semana.
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